24 de ago. de 2020

História da Cadeia Pública de Itabuna


Naquela noite, 7 de setembro de 1926, após um dia de festas com a inauguração de seu jornal "0 Intransigen te", o coronel Henrique Alves dos Reis, antes de recolher-se à alcova da Casa Verde, fez recomendação muito especial ao seu genro e também Secretário da Intendência Miguel Fernandes Moreira:

- Miguel, acerte aí com Rozendo e Oscar o dinheiro e gente para começar logo a construção da cadeia, do quartel da guarda e o calçamento da rua Benjamim Constant, porque mais uma vez prometi ao povo e não posso falhar. Não quero ver ninguém caçoar de mim. Vamos começar tudo esta semana ainda. Boa noite, meus amiguinhos.

O pequeno grupo que ainda estava ali na sala de visitas, além de Miguel, contava com Reynaldo Sepúlveda da Cunha (promotor público), Rozendo Correia Carmo (tesoureiro da Intendência), Oscar Nery de Souza (Fiscal Geral do Município) e Elvira dos Reis Moreira (filha do Intendente e esposa de Miguel). Logo o atônito tesoureiro mostrou sua preocupação, afirmando que este ano a renda do município pode não chegar aos quinhentos contos de réis e aquelas obras vão custar mais de cem contos.

Mas todos sabiam que ordem do Coronel Henrique Alves era para ser cumprida, nunca discutida. Durante os meses de setembro a novembro vários homens trabalharam na preparação de uma área de terras situada ao lado do antigo cemitério, imediações dos pastos de Coronel Martinho Conceição, local mais tarde batizado como Praça Tiradentes. Nesse período, Coronel Henrique Alves foi se convencendo de que só mesmo com a ajuda do Governo Estadual poderia concretizar as obras que desejava.

Viajou para Salvador e começou a tomar providências. Longas audiências com o governador Goes Calmon e visitas continuadas aos secretários. Uma maratona! Também o Estado passava por dificuldades financeiras. Astuto e manhoso, o Coronel conseguiu assinar um convênio com a Secretaria de Agricultura, única que dispunha de alguma verba no momento. Segundo esse convênio, ficaria sob a responsabilidade dessa Secretaria a elaboração de plantas, orçamentos e assistência técnica, além do necessário financiamento das obras de construção do prédio da cadeia pública e quartel da guarda. 

Caberia à Intendência administrar a construção, fazendo prestações de contas semanais a fim de receber os pagamentos que iriam sendo liberados de acordo com as medições feitas pelos engenheiros do Estado. No mês de janeiro de 1927, com as obras sendo tocadas e a Secretaria da Agricultura demorando em mandar fazer as medições, o coronel Henrique Alves procurou em Salvador a firma Sá Campos & Cia., assinando um contrato de empréstimo no valor de vinte contos de réis, em seu nome pessoal, usando seu próprio crédito, cujo montante foi logo aplicado nas obras. Para dar feição legal à transação, no dia 7 de fevereiro enviou Mensagem ao Conselho Municipal relatando o fato já consumado.

Apesar de tantas outras realizações de seu governo, o coronel não se descuidou dessa obra. A Secretaria, contudo, liberava recursos com muita dificuldade, forçando a Intendência a bancar praticamente todas as despesas de construção. No mês de agosto, sentindo que poderia terminar seu mandato sem concluir a obra, o Coronel teve a ideia de, pelo menos, deixar um marco contundente no local.

Praticamente com as paredes concluídas e boa parte dos cômodos rebocados, no dia 7 de setembro foi inaugurada uma estátua da Justiça na fachada do prédio em construção! Tratava-se de uma escultura feita às pressas no Rio de Janeiro, em massa de cimento especial. Claro que isso provocou uma celeuma na cidade pequena ainda. Surgiram comentários contra e a favor. Os inimigos do Coronel, já empenhados na campanha para derrubá-lo do poder, faziam críticas mordazes. Nesse clima chegou ao fim o seu mandato, pois em janeiro de 1928 foi escolhido Intendente o coronel Benjamim de Andrade, seu adversário. Pressionado por correligionários, o novo Intendente mandou retirar a estátua da Justiça e guardá-la no depósito de material do município. 

A propósito, o jornalista e advogado Lafayete de Borborema, em editorial do "Jornal de Itabuna" edição de 17 de abril de 1929, relembrando o fato dizia: "E, então, no alto do edifício, dominando a cidade, prosperou uma efigie da Justiça, um homem de formas desconformes, musculoso, com as partes trazeiras bem desenvolvidas, despido, tendo uma tanga na cintura e em volta da cabeça um pano, Qual um gladiador em atitude de estar aguardando o adver8ário, a pitoresca figura mantinha à mão esquerda uma espada e na direita uma bandeja barata com uma das conchas mais pesada que a outra. Era sempre motivo de riso para quem via. Não era possível, entretanto, que ficasse aquela efígie da Justiça atestando o nosso grau de cultura e a nossa ignorância quanto ao símbolo da Justiça, representada pela Deusa Themis. Foi por isso que o actual governo do município, continuando a edificação, fez retirar aquele monstrengo. E claro que certamente muito do que foi dito sobre a estátua poderia ter sofrido a influência das posições políticas, mas o certo é que ela desapareceu de vez e nunca mais ninguém viu". 
O Intendente Benjamim de Andrade prosseguiu realmente com a obra e no dia 19 de maio de 1928 entregou o prédio ao delegado Diocleciano Portela, com todas as suas instalações prontas. 

Mesmo que concluído por um seu adversário, certamente a história deverá creditar ao coronel Henrique Alves a construção da cadeia publica que por tantos anos serviu à comunidade. Contudo, a conclusão de suas obras não encerrou o episódio da sua construção. Alguns fatos interessantes ocorreram, como por exemplo a tentativa da firma Sá Campos & Cia, em penhorar o imóvel sob a alegação de não ter recebido o seu crédito de vinte contos, tendo o coronel Henrique Alves pago do seu bolso e só vindo a receber no governo de Glicério Esteves de Lima em 1930.

Segundo se pode encontrar no livro especial de "Construção da Cadeia Pública de Itabuna", autenticado pessoalmente pelo coronel Henrique Alves, ao término de seu governo, a posição era a seguinte: o município gastou exatamente 128.719$50, tendo a Secretaria de Agricultura fornecido apenas 13.840$00, ficando um saldo devedor do Estado da Bahia de 114.879$20. Esse prédio tem assim contada a sua história. Mesmo iniciado pelo coronel Henrique Alves, a sensibilidade e o senso de responsabilidade do seu adversário e sucessor, Coronel Benjamim de Andrade, fizeram com que a comunidade pudesse dele usufruir. 

É certo que o passar dos anos e o processo de civilização, acabaram por tornar aquela cadeia que fora motivo de orgulho dos itabunenses pelas suas linhas arquitetônicas avançadas para a época, bem como pela sua utilidade, num motivo de vergonha e revolta. Em nossos tempos tornou-se uma masmorra, sem os mínimos requisitos de conforto, local onde os presos apodreciam nos cubículos infectos. Em boa hora o governo estadual construiu o complexo policial e desativou a velha cadeia. Posteriormente, graças ao trabalho e a sensibilidade do prefeito Ubaldo Dantas, o local transformou-se num centro de cultura e amparo às artes. Não resta a menor dúvida de que esse imóvel traz a sina de balançar a consciência do povo itabunense! A sua metamorfose, quando de masmorra se transforma em templo de arte, nos dá a certeza que ainda se pode confiar no poder de realização do Homem.